martes, 12 de abril de 2011

O GUARDADOR DE REBANHOS (fragmento)

II

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
olhando para a direita e para a esquerda,
e de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
é aquilo que nunca antes eu tinha visto,
e eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
que tem uma criança se, ao nacer
reparasse que nascera de veras...
Sinto-me nascido a cada momento
para a eterna novidade do mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
porque o vejo. Mas não penso nele
porque pensar é não comprender...

O mundo não se fez para pensarmos nele
(pensar é estar doente dos olhos)
mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na natureza não é porque saiba o que ela é,
mas porque a amo, e amo-a por isso,
porque quem ama nunca sabe o que ama
nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
e a única inocência não pensar.

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa): O guardador de rebanhos (1914)

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